A prática de letramento nos dias de
hoje, é bastante confundida com o processo de alfabetização, que consiste na
decodificação de letras, a fim de levar o sujeito a formar palavras ou frases e
por meio delas, estimular a leitura, no entanto, o letramento vai muito além
dessa prática (BARBOSA; ARAÚJO; ARAGÃO, 2016), ainda que, de acordo com os estudos
de Kleiman (2010) utilize a alfabetização como um de seus integrantes, fazendo
com que estejam diretamente relacionados, caraterísticas que abrangem tais
habilidades, uma vez que deixam de considerar apenas os conhecimentos básicos quanto
ao uso da língua, visto que o letramento passa a ressaltar também a importância
dos conhecimentos que os indivíduos adquirem em diversos contextos onde estão
inseridos, bem como experiências vividas, fatores que auxiliam na significação
das práticas ensinadas dentro e fora do ambiente escolar. Com isso, a autora
(2010) evidencia que, como a leitura e escrita estão presentes na maioria dos
lugares e atividades, acabam auxiliando no aparecimento de diversos tipos de
letramentos ou multiletramentos e motivam diferentes saberes, pois envolvem
aspectos pessoais, formais e sociais. Percebemos, desse modo, que por meio
desses processos, os indivíduos tornam-se mais aptos a identificar e selecionar
adequadamente recursos para a efetivação de seus objetivos.
Dessa forma, os multiletramentos serão
pertinentes para os estudos do trabalho intitulado Tradição e ruptura: uma
análise do discurso feminista nas tirinhas da Mafalda realizado
pela pesquisadora que aqui escreve, sob orientação do professor Alan Lôbo.
Assim, o objetivo central da referida pesquisa é analisar como o discurso feminista
proferido pela personagem Mafalda é utilizado na tentativa de romper com o
tradicionalismo ideológico associado à figura da mulher. Para tanto, buscaremos
identificar as sequências discursivas no material selecionado e descrever como
são construídos os discursos das personagens femininas quanto à posição da
mulher nas tirinhas, de modo a compreender como o imaginário social sobre a citada
figura é produzido. Com isso, serão necessários vários tipos de
letramento, considerando também a pertinência de recursos multimodais e semióticos,
logo, como afirma Van Leeuwen (2011), a noção de texto deixou de ser focada
somente em textos escritos, partindo da análise de quadrinhos, isto
é, nessa conjuntura, o letramento visual será fundamental para entender as
formações discursivas apresentadas por meio de gestos (linguagem não verbal), juntamente com os textos escritos presentes no corpus.
Utilizaremos o letramento acadêmico
(KLEIMAN, 2010), pois permite estruturar uma pesquisa científica e ampliar
conhecimentos acerca da disciplina de Análise do Discurso, viés pelo qual
tornará possível a realização desses estudos. Outrossim, ainda do letramento
acadêmico serão imprescindíveis os conhecimentos linguísticos relacionados às condições
de produção, que consideram fatores externos ou contextuais, ao interdiscurso
(retomada do já dito em algum momento para a formação de um
novo enunciado, ressignificando-o) e a maneira com que se articulam com as ideologias
em produções discursivas (PECHÊUX, 1995 [1975]). Nesse meio, evidenciaremos igualmente os saberes históricos, dentre eles a posição da mulher na
sociedade nas décadas de 60 e 70, bem como o letramento de resistência, tendo
em vista que, para a construção de sentidos nas tirinhas escolhidas, o analista
deverá ter uma noção da luta e resistência feminina pela igualdade de gênero,
ditadura militar na Argentina durante aquele período (COSSE, 2014),
características que ajudam a compreender os processos de formação ideológica e
sua materialização pelos discursos das personagens apresentadas.
Ademais, o letramento crítico será
despertado diante das informações obtidas em análise, levando-o a posicionar-se
acerca da temática abordada e a entender cada personagem, o funcionamento do
humor e as formações discursivas ali presentes (KLEIMAN, 2010). As características
do letramento citadas anteriormente, começam a ser trabalhadas ainda no processo
escolar, no entanto, de maneira menos aprofundada, onde os estudos sobre a
linguagem (verbal e não verbal) costumam ser apresentados aos discentes,
partindo de atividades voltadas para seu desenvolvimento intelectual, tal qual
proporciona os primeiros contatos com as tirinhas da Mafalda. Portanto,
nota-se que, para uma pesquisa científica seja efetivada, torna-se primordial
não apenas um tipo de letramento, logo, é composta por um conjunto de
conhecimentos distintos que ultrapassam os saberes obtidos em ambientes
educativos como a escola ou universidade, características que contribuem para
sua formação de sentido textual, pois se unem aos conhecimentos mais formais, ficando claro como e onde os multiletramentos serão essenciais em nossa
pesquisa atual.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Vânia Soares; ARAÚJO, Antonia Dilamar; ARAGÃO,
Cleudene de Oliveira. Multimodalidade e multiletramentos: análise de
atividades de leitura em meio digital. Revista Brasileira de Linguística
Aplicada, v. 16, p. 623-650, 2016.
COSSE, Isabella. Mafalda historia social y política.
– La ed. – Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2014, 313 p.
PÊCHEUX, M. Les
Vérité de la Palice, Maspero,Paris, trand. Bras. Semântica e Discurso,
E. Orlandi at alli, Editora da Unicamp, 1995 [1975].
QUINO, J.L. Toda Mafalda. - 2. Ed. – São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
VAN LEEUWEN, T. Multimodality. In:
SIMPSON, J. (Ed.). The Routledge handbook of applied linguistics. New
York: Routledge , 2011. p. 668-682.
KLEIMAN, A, B. Preciso
“ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever?.Cefiel/IEL/Unicamp/MEC.
2010
Comentários
Postar um comentário