A intertextualidade em propaganda automobilística pelas teorias de Charles Bazerman

O conceito de intertextualidade é abordado por vários pesquisadores de diversas áreas, entretanto, no presente trabalho nos apoiaremos em teorias de Charles Bazerman (2021 [2004]) acerca do citado fenômeno e que, de acordo o estudioso, a intertextualidade refere-se basicamente ao ato de textos se associam uns com outros e a relevância de uma análise voltada para tal processo "investiga não somente a relação de um enunciado com aquele oceano de palavras, mas também o modo como tal enunciado usa essas palavras e ainda a maneira como ele se posiciona em relação às outras palavra" (BAZERMAN, 2021, p. 136 [2004]). Nesse sentido, entendemos que o mencionado recurso utiliza de antigos textos de maneira implícita ou explícita, podendo ser tanto de natureza escrita, quanto imagética ou aspectos multimodais (VAN LEEUWEN, 2011), para a formulação de novas produções textuais, visando ressignificá-las, partindo do objetivo a ser alcançado, observando sempre a maneira em que ambos (textos antigos e novos) conseguem se conectar, apesar das distinções que cada um carrega em si. Bazerman (2021 [2004]), esclarece, então, que essas relações que ocorrem na intertextualidade enfatizam tanto a situação discursiva, quanto os recursos textuais, a maneira que se posicionam em um texto e a forma que fazem uso de outros. Com isso, em um de seus artigos, Bazerman (2021 [2004]) sugere seis componentes intertextuais que auxiliam nos estudos acerca do funcionamento da intertextualidade, bem como:  

Fonte:<https://giseldasantoscosta.blogspot.com/2022/10/intertextualidadebazerman2004.html>

O autor 2021 [2004]) explica cada etapa como: (1) citação direta, onde um texto terá como base trechos de outro texto já existente, partindo da utilização de aspas ou itálico para reforçar essas partes, ressaltando seu valor nominal; 2) citação indireta, em que um texto pode remeter a dramas sociais explícitos; 3) menção de uma pessoa, documento ou declarações, refere-se ao momento em que se faz referência a alguém ou a documentos que possam remeter a uma fonte original e necessitará da familiaridade de seu leitor ou expectador aos elementos utilizados, para que se dê o processo de significação; 4) Comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada, em que o uso do explícito é menos recorrente e "o texto pode se a poiar em crenças, questões, ideias e declarações amplamente difundidas e familiares aos leitores, quer sejam relacionadas a uma fonte específica, quer sejam percebidas como senso comum" (BAZERMAN, 2021, p. 144 [2004]); 5) Uso de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupo de pessoas, ou de documentos específicos, já se encontra em domínio da interdiscursividade e utiliza alguns tipos específicos de linguagem que são facilmente reconhecidas, assim como estilo e gêneros, ressaltando suas particularidades e viabilizando a identificação do mundo a que pertencem; e 6) Uso de linguagem e de formas linguísticas que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre outras pessoas e tipos de documentos, que também está associada à interdiscursividade e faz uso de recursos linguísticos disponíveis, sem focar no intertexto. Com isso, para fins de exemplificação das citadas técnicas, examinaremos uma propaganda de carro. Observe:

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>

O vídeo exposto refere-se a uma propaganda da marca Audi para o lançamento de seu novo modelo automotivo, o R8 Coupé V10 Plus no Brasil, apresentado durante um evento em 2016. Visando chamar a atenção de seu público-alvo para a venda do produto, a empresa elaborou uma campanha publicitária (em inglês) inspirada em um fato que realmente aconteceu, todavia, utiliza uma história fictícia. Seu enredo é indireto (COSTA, 2022), uma vez que mostra duas fases da vida do protagonista - juventude e velhice - onde a primeira (que serve de referência para a fase posterior) é retomada e recriada dentro da segunda, seguindo algumas alterações, mediante as circunstâncias. Em linhas gerais, os personagens (COSTA, 2022) são um senhor (direto), seu filho (indireto) e a empregada (indireto). O enredo descreve a história de um astronauta aposentado, que por causa da idade avançada, torna-se impossibilitado de viajar ao espaço como comandante, tal qual enquanto jovem, o que o deixa bastante frustrado e deprimido. Nesse viés, um rapaz, aparentemente, filho do homem que aparece no vídeo, na tentativa de animá-lo e de fazê-lo relembrar das experiências que viveu durante a juventude, apresenta-lhe o carro R8 Coupé V10 Plus, deixando-o sob a condução de seu pai, proporcionando o resgate de lembranças em estar à frente de uma máquina potente, isto é, mesmo com a inviabilidade de comandar um foguete, o condutor consegue reviver grandes emoções, partindo da direção de um automóvel de alta performance. 
Assim, a referida ação ocasiona flashes de memórias quanto às experiências vividas durante sua grande viagem à Lua, que são representadas  por imagens do que seria o passado, enquanto entrava em um foguete e saía do planeta Terra, onde podemos inferir que a marca assemelhou de maneira indireta a potência do carro em questão à espaçonave utilizada na missão Apollo, ações acompanhadas pela trilha sonora direta de Starman (Homem das Estrelas) do cantor David Bowie, que reforça todo o contexto apresentado, estando no nível de interdiscursividade, visto que o cantor expõe em muitas de suas músicas, letras que remetem ao espaço sideral, informações que exigem um conhecimento prévio para se entender o uso da referida música de forma direta no comercial analisado. Um aspecto de som direto (COSTA, 2022) trata-se de outra lembrança do ex-comandante, onde conseguimos escutar uma voz, no que tudo indica, do ex-comandante, em forma de depoimento cheio de entusiasmo em relação ao que estava vivendo durante sua missão à Lua, quando jovem, chegando a utilizar a menção de uma pessoa, documento ou declarações (BAZERMAN, 2021 [2004])ao agradecer ao presidente por ter escolhido a Lua como destino. Outrossim, observamos também o barulho da espaçonave deixando a terra e do carro que está sendo divulgado, que em determinando momento, parecem se tornar um único som.
É notório que para a composição da propaganda vista anteriormente, seus organizadores utilizaram da informação acerca dessa viagem e fizeram associação visualmente direta a ela (COSTA, 2022) quando mostraram fotografias de um jovem vestido com roupa de astronauta (dando a entender que se tratava do protagonista do vídeo) e a ativação de flashes de memória do ex-comandante, que começam a ocorrer quando o sujeito se dirige ao carro, onde observamos a retomada de um acontecimento, que se trata do caminho percorrido por ele até o foguete e posteriormente e sua partida para a lua, fatores que auxiliam no processo de significação da nova história que está sendo construída, ao mesmo tempo em que também faz uso da citação indireta (segundo aspecto intertextual) para trazer a controvérsia entre duas realidades distintas vividas e implícitas no vídeo, isto é, a juventude bem sucedida e insatisfação da velhice por parte do ex-astronauta (BAZERMAN, 2021 [2004]). Além disso, um aspecto visual indireto observado foi a lua que aparece bastante vistosa ao final da propaganda, enquanto o ex-astronauta dirige o carro, como se estivesse indo ao seu encontro, fazendo uma referência indireta ao objetivo de sua viagem ao espaço, que era exatamente chegar à Lua, aspecto que também está em nível de interdiscursividade, uma vez que, na primeira fase, que corresponde à vida do indivíduo como comandante, o satélite natural da Terra não aparece em evidência, embora fique subentendido, diante do contexto.
Notamos o uso de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupo de pessoas, ou de documentos específicos (quinto elemento intertextual de Barzeman, 2021 [2004])logo, aparecem tipos específicos de linguagem, bem como o filho ao chamar o pai de “comandante”, e que em virtude da interdiscursividade, viabiliza entender de onde tal termo provém, em meio à história. Outro fator observado foi a presença do sexto elemento intertextual, ou uso de linguagem e de formas linguísticas que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre outras pessoas e tipos de documentos) contidas nos estudos do autor referido (2021 [2004]), uma vez que ao reproduzir o som direto (COSTA, 2022) de uma contagem regressiva, nos dá a ideia de que algo importante está prestes a acontecer, entendimento este ocasionado pelo resgate de outros discursos já ditos em circunstâncias diversas e resgatadas na memória pelo interdiscurso. Assim, o acontecimento em questão refere-se ao início da viagem ao espaço, eventualidade associada ao passado do ex-astronauta, todavia, mediante ao momento atual, concerne a sair dirigindo o automóvel que lhe causa emoções semelhantes a conduzir uma espaçonave. Posto isto, as ideias apresentadas, propiciaram dizer que os aspectos elaborados por Bazerman (2021 [2004]) realmente conseguem auxiliar quanto à análise intertextual, apesar de que, nem sempre todos seus recursos se farão presentes em textos, tendo em vista os propósitos comunicativos que cada um busca atingir por meio deles, tornando nítido onde os componentes apresentados pelo autor (2021 [2004]) foram usados em nosso corpus.

  

Referências 

BARBOSA, Vânia Soares; ARAÚJO, Antonia Dilamar; ARAGÃO, Cleudene de Oliveira. Multimodalidade e multiletramentos: análise de atividades de leitura em meio digital. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 16, p. 623-650, 2016.

BAZERMAN, Charles. Gênero, agência e escrita; Angela Paiva Dionísio e Judith Chambliss Hoffnagel (Org.). Tradução e adaptação Judith Chambliss Hoffnagel. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2021 [2004]. 

COSTA, G. Intertextualidade (Bazerman, 2004). Disponível em: <https://giseldasantoscosta.blogspot.com/2022/10/intertextualidade-bazerman2004.html> Acesso em 21/10/2022. 

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